domingo, 14 de fevereiro de 2010

Carnavalha

- Chorou outra vez?
Que legal receber tal saudação. Poderia responder com um simples 'Vá se danar, idiota!". Limitou-se a, polidamente, responder:
- Dormi mal. As olheiras vieram com força total. - E foi colocando a mochila em cima da mesa. Teria que arrumar todo o roteiro da reunião.
- Sei, sei. Escuta aqui, há quantas noites as tuas lágrimas provocam insônia, hein? Deixa de desculpas esfarrapadas e fala logo a verdade. Você chega todos os dias enxugando a cara, os olhos inchados e vem dizer que é insônia?! Falsa!
"Falsa?!". Estava ouvindo errado, só podia.
- Falsa?! - repetiu, pra ter certeza.
- Sim, Falsa. - O tom era de desafio, tipo: "eu disse na sua cara e aí o que vai fazer?"
As lágrimas teimosas encheram. Logo iriam jorrar, ela sabia. Mas não tinha só água nessa enchente. Tinha raiva, ódio, agonia, tudo junto batido no liquidificador sem ao menos um pouco de açúcar.
Partiu pra cima com um grampeador que estava na mesa. Queria ver sangue dela. Parou um segundo pra pensar. Sim, pensava demais, talvez fosse um erro, mas pensou. Percebeu que não valia a pena ver líquidos vermelhos, mas não devolveria o grampeador quieto ao seu local habitual. Jogou com toda força, com mira justamente para "passar um fino" na cabeça da amiga. Pronto, já bastava como aviso. 
CRRREEC!
- Ta louca, é? Tá querendo me matar?
- Não, eu não quero matar você. Eu tenho que montar uma reunião com você. E viva, de preferência. Apenas preciso que cale essa boca e me deixe em paz. O que eu fiz ou deixo de fazer, não te interessa. Se não for pra me ajudar, não atrapalhe, tá legal? E falsa é a senhora sua mãe. - disse, fitando os olhos da amiga de tal forma que a mesma, ficou parada, perplexa. Acrescentou, numa total calmaria dessa vez, tirando uma apostila da mochila. - Trouxe as pesquisas da Internet?
- Sim... - respondeu, meio sem jeito, meio com medo. As lágrimas agora eram da acusadora. A chamou de falsa, mas era como um grito que perguntava onde estava a sua amiga querida. No meio de lágrimas? Deveria ter sido de outro modo, mas já tinha acontecido. Só restava correr atrás de perdão. E foi o que fez:
- Jude, me perdoa. Não queria que fosse assim. Mas você está estranha. Não sorri mais, não conta mais piadas, não sei mais nada de você. Te vejo aqui, mas te sinto longe, muito longe. Eu quero te ajudar, me conta. O que está acontecendo com você?
Carlie lembrou bem esse detalhe. A amizade das duas era algo de cinema. Tipo "You've got a friend", na voz da Carole King. Permitiu-se ser abraçada pela amiga e chorar, finalmente encostada em um ombro amigo, disso ela sabia, todo desatino em que sua vida se transformara.
E chorou. Muito. Sentimento tinha prioridade. O restante podia esperar, sejam reuniões, roteiros, papéis ou um simples grampreador esparramado no chão.

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